terça-feira, 25 de outubro de 2011

Um assalto a mão armada




Aconteceu que eu estava lá em casa com a minha irmã mais nova, a Jéssica. Ela tem somente 13 anos e é incapaz de machucar alguém. Era sexta-feira, por volta das 11 e vinte da noite. Como de costume, depois do culto eu chego em casa e deixo a porta aberta, por que onde eu moro faz um calor do diabo. Antes de me crucificar por isso, saiba que nunca tivemos problemas, afinal a minha rua é movimentada na sexta-feira a noite. Todo mundo voltando do culto, do estudo bíblico, e etc. Além do mais, a porta fica aberta até as três, quatro horas da manhã quando eu fico assistindo filme.
Meu pai foi fazer um plantão extra no setor de enfermagem do Cevisa. Ficaria fora aquela noite inteira. Minha outra irmã, como é de costume quando meu pai não está em casa, fugiu pra sabe-se lá aonde. Igualmente como de costume, quando minha irmã não está em casa a Jéssica não tem com quem conversar e fica batendo papo comigo.
Fomos para a cozinha, afinal é lá que fica a comida, quando minha irmã vira para o lado e exclama em tom de brincadeira:

- Ai, que susto.

Pensei: “Deve ser uma vizinha, ou a outra irmã fazendo gracinha”. Quem dera. Virei pra lá e vi um cara de uns 1,75cm, com um revolver escuro, calibe 32. A gente pensa um monte de coisas quando ouve histórias de assalto. Como reagir, o que fazer. A verdade é que é totalmente diferente do que você pode imaginar, totalmente diferente dos filmes que o cinema transmite.

Ele entrou em silêncio. Apontava a arma na direção do meu rosto, me encarando com os olhos arregalados.

- Cadê a chave do carro? – Perguntou sem rodeios. Este era o Calmo.

A Jéssica correu para trás de mim. Em sua ingenuidade de uma criança de 13 anos talvez tenha achado que eu pudesse protegê-la, Eu não podia. Não podia fazer nada. Sabe o que é nada? Não é quando você está doente e o remédio não faz efeito, ai você diz que não pode fazer nada. Não é quando você não fechou o semestre e o professor diz que não pode fazer nada. É quando você tem uma arma na sua cara, só ai você percebe que realmente não pode fazer nada. Eles estavam no controle. Eram eles quem davam as cartas.

Ainda assim, nada eu não podia fazer. Eu tinha que fazer algo para proteger o patrimônio, a vida e o psicológico da minha irmã. Essa é uma parte muito importante. De quê adiantaria ela escapar com vida daquele episódio, mas sair traumatizada sem poder viver direito depois daquilo. Aquela arma não podia ser disparada, eles não podiam se exaltar, eu não podia levar um tapa na frente dela, não na frente dela. Isso iria marcá-la pra sempre. Além disso, eles não podiam roubar nossas coisas.
- Meu pai foi trabalhar e levou. – Menti. A chave estava ao lado da TV. A gente não se lembra do nono mandamento nessa. A gente não lembra que é feio mentir. Eu não lembrei nem de Deus.

Um segundo, mais alto, veio por trás do primeiro. Esse era o Nervoso. Com a arma na minha testa, exclamou em silêncio:

- Dá a chave desse carro!

Ele definitivamente estava falando sério.

- Eu posso dar a reserva. – Respondi. Sabe, se algum dia você ousar mentir para um bandido, pelo amor de Deus, sustente a sua mentira não importa o que aconteça. Se ele descobre que você está mentindo, pode ser muito pior.
Entramos no quarto do meu pai. Eu me abaixei e puxei a gaveta onde estava a chave reserva do carro. Olhei e vi que um terceiro indivíduo se aproximava. Esse era o Mudo.

O Nervoso enfiou a mão e me “ajudou” a procurar, depois de ordenar silêncio, com um gesto.

- É essa aqui? – Perguntou, quando viu uma chave velha, colada com Durepoxi. Coisa de pobre.

- É. – Respondi.

- Tem dinheiro aqui?

- Tenho. Só tenho um pouco.

Fomos empurrados de volta pra sala. Eu fui ao lado da TV e peguei 20 reais que eu tinha, junto com o cartão do banco e os documentos.

- Eu só tenho isso. É o dinheiro da oferta.

- Não. A gente não quer não. – Um deles respondeu. Deve ter negado quando eu disse que era pra oferta da igreja. Com coisa de Deus não se mexe.

- Mora mais alguém aqui? – Perguntou o Calmo.

- Mora. Meu pai e minha outra irmã estão fora.

O Nervoso foi pro quarto das minhas irmãs.

- Vai chegar alguém? – Perguntou novamente o Calmo, com o meu celular na mão.

- Minha irmã saiu e deve chegar em meia hora. – Respondi, quase que implorando que fossem embora. Reconheço que não era somente a Jéssica que estava assustada.

- Tem mais algum celular na casa?

- Tem o da minha irmã, mas ela levou.

- Olha, fiquem calmos. A gente não veio fazer mal pra vocês. Não viemos roubar nada, não viemos sacanear. A gente só quer o carro pra fugir e vamos embora.

- Tá bom. É que a gente está com muito medo. Só queremos que vocês saiam logo. – Repliquei.

- Não precisa ficar com medo. Vocês podem se acalmar. Nada vai acontecer.

O assaltante Calmo realmente ajudou bastante.

Um deles viu a minha bolsa em baixo da mesa do computador. Pegou imediatamente e começou a mexer. Viu meu HD externo:

- O quê que é isso aqui?

- É o meu HD externo. Por favor, não leva ele não. Tem todos os meus arquivos da faculdade. Eu preciso muito dele.

- A gente não vai levar nada não. Fica tranqüilo. – Jogou o HD em cima da minha cama.
Foi aí que eu me dei conta de que iriam levar tudo o que não envolvesse muita tecnologia, como as TVs, DVDs, e o carro. E se iriam levar as TVs, pelo menos eu tinha que ter uma boa história pra contar [como se um assalto não fosse história suficiente]. Não faça o que eu fiz nessa hora, por favor. Eu comecei a fazer piada com os assaltantes.

- Vem cá, vocês querem comer alguma coisa? Um lanche? Tem pão, queijo, ‘suquinho’. Sintam-se em casa. – Disse num tom de brincadeira.

- Não. A gente não quer nada, não.

- E água, vocês querem água? – Quase que eu digo: Vocês devem ter trabalhado bastante hoje, né?

Essa da água também foi de brincadeira, apesar de dar pra perceber que eles estavam meio cansados.

O Calmo resolveu aceitar. A Jéssica achou que eu estava falando sério e emendou:

- Você quer como, fria, gelada, meio a meio?

“Cala a boca, menina!” – Pensei.

- “Cêis” para de graça, hein. – Disse o Mudo. <-- Esquisito, concordo.

Fui lá e peguei a água. Foi num copo sujo, mas ele aceitou mesmo assim. Sentei no sofá, ao lado da minha irmã, enquanto ele ia beber no banheiro. Não podia tirar a máscara na nossa frente, é claro.

Ficamos sozinhos com o Mudo. Ele não dizia nada, fazendo jus ao substantivo.
Sabe aquelas horas que você está falando com alguém e o assunto acaba. Ai fica um olhando pra cara do outro, sem falar nada? Pois é, ficou aquele clima meio chato na sala. Eu bati os dedos e pensei que eu tinha que dizer alguma coisa pra quebrar o gelo. Mas o que dizer para um bandido? Olhei pra arma dele... Boa idéia!

- Escuta, quanto custou essa ai? – Depois dessa, eu teria me dado um tiro.

O elemento não disse nada. Ele não deve ter acreditado.

O Calmo voltou e devolveu o copo. Mandaram eu deixar em cima da cadeira.

O Nervoso voltou:

- Ele tá falando a verdade. – Mostrou algumas coisas que comprovavam que não éramos as pessoas a quem eles, certamente, procuravam. Eu não sei o que ou quem era.

O nervoso veio então pra cima de mim:

- A gente está sendo legal com vocês, não tá?

- Estão.

- Não “tamo” sacaneando. Então por que você está mentindo pra gente?

- Eu não estou mentindo.

Ele abriu o zíper da jaqueta. Tirou o celular da Jéssica de lá.

- Então o que é isso aqui?

- Não, esse ai tá quebrado.

Um deles saiu e foi verificar o carro. Outro saiu e abaixou-se no escuro, com a arma preparada para atirar se alguém aparecesse. Eu me ofereci para ligar o carro, pois estava com a bateria desconectada. Fui e executei todos os procedimentos. Expliquei a situação do veículo. Tinha pouco combustível. Não ia rodar muito.

O Calmo me chamou de volta. Ele havia ficado na sala com a minha irmã. Conversou um pouco com ela, tentando mantê-la tranquila.

- Vocês vão encontrar o carro amanhã. A gente só quer ele pra fugir. – Ele disse com a chave de casa na mão. Realmente encontramos, batido, inútil.

Eles não podiam levar a chave de casa, se não poderiam voltar a qualquer hora que quisessem. Eu não podia deixar aquilo acontecer.

- Mas vocês vão levar a chave?

- Vocês vão achar depois.

- Tá, onde você vai deixar a chave?

- No carro. Vamos deixar tudo no carro.

- Não leva a chave não. Por favor. Eu preciso muito dela...

- Vocês não vão chamar a polícia?

- Não.

- Não vão chamar ninguém?

- Não.

Ele viu o quanto estávamos assustados e, para todos os efeitos, eu só tinha dito a verdade durante a ação.

- Eu vou confiar em vocês então. Mas se chamar a polícia, a gente volta e mata vocês. To com o seu celular, com todos os seus contatos, hein.

- Pode deixar. Não vamos chamar ninguém.

Ele devolveu a chave, fechou a porta e foi embora, com dois celulares, um DVD e o carro.

Naquela noite, minha irmã chorou como nunca havia chorado. Ela é uma criança diabética de apenas 13 anos, e já sentiu o cano de uma arma na testa.

Esse foi possivelmente o assalto mais tranquilo que já teve no bairro. Das outras vezes, levaram tudo, gritaram, bateram. Dessa vez, sussurraram. Tudo o que queriam era fugir. Eles eram bons. Tinha um foco e não se desviaram dele, não importa quantas piadas eu fazia. Ainda tiveram o cuidado de eliminar todas as digitais dos lugares em que tocavam.

Agora é só esperar pra acontecer outra vez, talvez até pior. Isso por que a presidente da associação dos moradores, a Lúcia não me importa o quê, recusou quando o delegado responsável pela região ofereceu colocar uma guarita policial no bairro. Segundo ela, nós todos somos adventistas, então Deus nos protegerá. “Tão adventistas que toda a semana pegamos dezenas de vocês dirigindo sem carteira de motorista por aqui”, foi a resposta do delegado.

Eu confio que Deus irá nos proteger. Alias, essa experiência é uma confirmação disso. Ele nos manteve calmos e aos assaltantes também, apesar de eu não ter tido tempo para orar. Ele tirou minha irmã mais medrosa de casa e meu pai maluco também. Sabe-se lá o que ele faria no meu lugar. Iria pular pra pegar a arma, possivelmente.

Eu me sinto triste, na verdade. Me sinto desmoralizado. A gente junta as coisas numa vida inteira, e uma pessoa arma pode, simplesmente, entrar e levar o que quiser; e você não pode fazer nada, além de assistir.Entraram na minha casa, mexeram nas minhas coisas, e eu não chamei a polícia por temer pela vida da minha irmã. Me sinto responsável pelo roubo, meio cúmplice até.

Pessoas assim assustam cidadãos de bem todos os dias. E o pior é que tem gente que luta pelo direito desses caras. Direito? Uma pessoa que invade uma casa e coloca o cano da arma na testa de uma criança de 13 anos tem algum direito de ter direitos?? Só quem passa por uma situação dessas tem o direito de responder a essa pergunta. Eu achava que sim. Sempre fui meio radical, sabe, mas de uns tempos pra cá eu fiquei mais humano. Eu me espantava quando eu via os presídios lotados, quando ouvia a notícia de policial surrando bandido, afinal até essa escória tem direito, certo? Não sei. Responda quando tiver um calibre 32 na sua cara. Até lá, maus tratos a bandidos são atos heroicos, dignos de medalha.

7 comentários:

  1. Resposta pelo Facebook:

    Rafael Acosta:
    Brunão, sou teu fã cara!!! Gostei do texto, mas não da situação. Pode crer que eu vou apurrinhar muita gente por causa desses assaltos que estão acontecendo. E a primeira pessoa será a presidente da associação de moradores. Essa situação está lamentável!

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  2. Resposta pelo facebook:

    Norton Rocha:
    caraca, bruno!fiquei mais tranquilo depois que entendi que não fizeram nada com vcs. quanto aos bens materiais, isso se recupera. de boa. cara, vou dizer: compreendo a tua revolta e indignação com relação a defesa que existe sob estas pessoas. mas cara, eles são apenas o reflexo do problema e eliminando ou agredindo eles, seja batendo, seja deixando-os apodrecer numa cela, não vamos resolver o problema, tudo isto é reflexo. estes atos são dificeis de serem justificados, praticamente impossíveis, mas nunca sabemos pelo o que as pessoas passaram. a vida pode ser mta dura com a gente, assim como foi com vc nesta sexta. de qualquer forma, estou bem por vc estar bem também.

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  3. Bruno ja passei por isso e sei o quanto essa situação deixa agente indefeso, sem chão. Você foi corajoso e por mais que no momento nao tenha pensado em Deus pareceu mostrar a confiaça natural que normalmente temos como filhos dEle. Essas coisas acontecem, espero que voces superem bem isso.
    Daniel

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  4. A escória tem direito a julgamento justo. Tem direito a não ser tratado como a escória que é. Deixando-se que o bandido seja espancado, torna-se mais suscetível o espancamento de um inocente. Nada disso consola ou conforta, eu sei. Se fosse comigo, eu surraria o maldito até que ele perdesse a consciência, mas não cabe a mim fazer Justiça, e sim ao Estado. (pelo menos até à página 2). Sinto muito pela experiência, e torço para que nunca ocorra de novo. (cá entre nós, eu deixaria você espancar este animal até um coma profundo, mas não deixe ninguém saber disso. Haha)

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  5. E o pior é que você está certo: "Deixando-se que o bandido seja espancado, torna-se mais suscetível o espancamento de um inocente". Infelizmente tenho que admitir isso.

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  6. O que seria preferível? Deixar bandidos à solta ou inocentes presos? É polêmico e complicado, mas como já disse Winston Churchil:"A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras inventadas antes dela."

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  7. Gostaria de agradecer a vocês por todos os comentários. São eles que tornam a postagem mais rica.
    Mas ficaria melhor ainda se vocês deixassem também o nome.. =D
    Obrigado.

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